terça-feira, 15 de maio de 2012

Análise do episódio "Despedidas em Belém" d'Os Lusíadas


Introdução

A Partida das Naus
Como era habitual, o dia começou com uma cerimónia religiosa em santa Maria de Belém, com missa e comunhão geral, seguida de procissão até à praia do Restelo (praia de lágrimas, como disse João de Barros), onde nos aguardavam as naus.
A gente da cidade estava toda na Praia, ou porque eram amigos, ou parentes, ou por simples curiosidade. Estavam já saudosos na vista e descontentes – todos nos tinham por perdidos e manifestavam com suspiros, os homens, com lágrimas, as mulheres. Particularmente sofredoras eram as Mães, Esposas, Irmãs – que o temeroso amor mais desconfia, isto é, torna desconfiadas – e que se encontravam desesperadas, com o receio de não os tornar a ver.
Dizia uma das Mães:
- Ó filho, com quem eu contava para refrigério e doce amparo na velhice, porque me abandonas, em troco de uma morte no mar, para seres mantimento de peixes?
E uma Esposa:
- Ó doce e amado esposo, /sem quem nunca quis amor que viver possa porque aventurais no mar essa vida que não é já vossa, mas minha? Como é possível que esqueçais a afeição tão doce nossa?/ Nosso amor, nosso vão contentamento, / Quereis que com as velas leve o vento?
Também os velhos e os meninos acompanhavam com lamentos estas mulheres e a própria Natureza parecia apiedar-se. Foi por isso que dei ordens para partirmos de imediato, sem as despedidas habituais, antes que mudássemos de ideias.
Amélia Pinto Pais, Os Lusíadas em Prosa

O episódio pode dividir-se em três partes:
1ªparte – 83 -86: Introdução:
- Localização espácio-temporal;
- Vista geral da praia;
- Preparação religiosa/ espiritual dos marinheiros.
            Nesta parte, é feita uma localização espácio-temporal da ação. Assiste-se ao alvoroço geral dos últimos preparativos para o embarque da “gente marítima e a de Marte” – marinheiros e soldados.
As naus já estão prontas e os nautas reúnem-se em oração na ermida de Nossa Senhora de Belém.

2ªparte – 87 – 92: Desenvolvimento:
Na segunda parte, descreve-se a procissão do Gama e seus companheiros, desde a ermida até aos batéis, pelo meio da gente da cidade, homens e mulheres, velhos e meninos, dando-se relevo especial às mães e esposas. Tanto os que partem como os que ficam entristecem-se e a despedida ganha grande emotividade.
O narrador, Vasco da Gama, narrador participante homodiegético, com a finalidade de fornecer maior autenticidade ao seu discurso perante o rei de Melinde, evoca palavras emocionadas de uma mãe e de uma esposa. A própria natureza partilha do sofrimento e da dor deste momento.

3ªparte – 93: Conclusão:
             A terceira parte refere-se ao embarque que, por determinação de Vasco da Gama, é feito sem as despedidas habituais, para assim diminuir o sofrimento tanto dos que partem como dos que ficam e também para evitar que os marinheiros desistissem de partir.
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             Este episódio corresponde ao início da viagem de Vasco da Gama. O episódio só surge neste momento, visto que está inserido na sequência cronológica da História de Portugal que Vasco da Gama está a narrar ao rei de Melinde e também visto ser obrigatório que a narração se iniciasse in media res.
            Nas estâncias 84 e 85, é descrito o ambiente festivo que se vivia na partida, contrapondo-se aos momentos apresentados nas estâncias seguintes, quando os navegadores, preparando-se para a viagem (“Aparelhamos a lama para a morte”), imploram a proteção divina e escutam os lamentos e o choro das muitas pessoas que acorreram à praia (estâncias 88 a 92), e até da própria natureza que participa destes sofrimentos (estância 92). De entre essas muitas pessoas, destaca-se a figura de uma mãe (estância 90) e de uma esposa (estância 91), que, transmitindo a dor de todas as outras, revelam a tristeza pela incerteza do regresso dos seus familiares. Repare-se que o discurso de ambas apresenta várias interrogações, são as chamadas interrogações retóricas, para as quais não se espera uma resposta direta, mas pretende-se realçar, neste caso, os sentimentos de dúvida e de aflição destas pessoas.
             A determinação de partir era firme, por isso Vasco da Gama diz ao rei de Melinde que, apesar de “Cheio de dúvida e receio” (estância 87), embarcaram sem se despedirem de quem ficava, antes que se arrependessem. Nesta estância, é notória a emotividade de Gama, que revela também a sua experiência vivida.
             A partida fez-se da praia de Belém, “Que o nome tem da terra, para exemplo, / Donde Deus foi em carne ao mundo dado”. Esta perífrase poderia substituir-se por uma simples palavra, Belém, mas perder-se-ia toda a beleza da comparação entre o lugar onde Cristo nasceu e o lugar de onde partiram as naus portuguesas.

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