terça-feira, 15 de maio de 2012

Ficha informativa sobre o episódio"O Gigante Adamasttor" d'Os Lusíadas


Os Lusíadas (V, 37-60)
Terminada a narração da História de Portugal, Vasco da Gama (narrador homodiegético) vai contar ao rei de Melinde como decorreu a sua viagem de Lisboa até ali.
Mais uma vez, realidade e fantasia se misturam, pois a par da indicação do percurso geográfico efetuado aparecem episódios fantásticos.  
O episódio do Gigante Adamastor representa de um modo simbólico a desproporção de forças: por um lado, a fragilidade das naus e dos homens a bordo, por outro, a fúria do mar, magnificamente personificada por este gigante aterrador.
A esquadra de Vasco da Gama, “cortando/[o]s mares nunca outrem navegados” (Lus, V, 37, 2-3), depara-se com “[u]ma nuvem que os ares escurece” (Lus, V, 37, 7), que amedronta os “corações” dos bravos marinheiros. E descreve o “monstro horrendo”: uma figura “robusta e válida / De disforme e grandíssima estatura”, e com o “rosto carregado, a barba esquálida / Os olhos encovados, e a postura / Medonha e má”, de “cor terrena e pálida”. Seus cabelos estavam “cheios de terra e crespos” e tinha “a boca negra” e “os dentes amarelos”. Fala com um tom de voz “horrendo e grosso” que parecia “sair do mar profundo”, e até causava arrepios. o Adamastor é um gigante baseado na mitologia greco-romana. No épico lusitano, representa as forças da natureza contra Vasco da Gama, ameaçando os que tentavam dobrar o Cabo da Boa Esperança e, assim, chegar ao Oceano Índico. No poema, a representação do cabo, o gigante Adamastor, está no canto V, ou seja no meio do poema “eu sou aquele oculto e grande cabo” (Lus V, 50, 1). Não é por acaso que “o grande cabo” está nesse ponto equidistante, visto que representa a passagem para o Oriente, que, no épico, figura o encontro com o desconhecido, “no cabo se refugiavam os medos perseguidos pelas naus, mas conservados no fundo de cada um dos que partiam ou ficavam. E esses medos assumiram, dentro da tempestade, forma sobre-humana grande bastante para se opor à passagem dos navegantes”.
Como se trata da personificação do cabo da Boa Esperança, pode dizer-se que se trata da vingança da Natureza sobre os portugueses, sob a forma dos medos que os marinheiros portugueses tinham de monstros horrorosos que faziam naufragar as naus e tirar as vidas a muitas pessoas. Eram os monstros  que simbolizavam o desconhecido, mas também o fantástico. Eram ainda os guardiões dos tesouros, pois para lá deles situava-se a Índia, fonte de riquezas e sonhos. Era portanto necessário haver um guarda realmente muito poderoso para que só conseguissem passar os mais merecedores, os mais valentes e ousados.
O gigante Adamastor começa por dirigir-se aos portugueses de uma forma muito agressiva e imperiosa, com a intenção de os amedrontar. Esta primeira parte do encontro é uma espécie de julgamento sumário: o gigante começa por acusá-los dos crimes de irem aonde era proibido, de invadirem o seu território, de tentarem desvendar os segredos que ele guarda, o que a nenhum humano era permitido fazer, por mais heróico ou poderoso que fosse (“os vedados términos quebrantas / E navegar meus longos mares ousas”; “Pois vens ver os segredos escondidos”; “A nenhum grande humano concedidos / De nobre ou imortal merecimento”).
Não há lugar para defesa, Adamastor passa logo a ditar a sentença: serão castigados pelo seu atrevimento, pois todas as naus que ali passarem sofrerão enormes tempestades. Haverá ainda uma vingança mais terrível para a primeira que ali passar depois deles - “quantas naus esta viagem”; “fizerem, de atrevidas / Inimiga terão esta paragem / Com ventos e tormentas desmedidas! / E da primeira armada”; “Eu farei de improviso tal castigo, / Que seja mor o dano que o perigo”. Mas ainda não acabaram as sentenças. O homem que o descobriu e passou será severamente castigado, bem como o primeiro vice-rei da Índia, todos junto dele (“Aqui espero tomar, se não me engano, / De quem me descobriu suma vingança”; “E do primeiro Ilustre”; “Serei eterna e nova sepultura”).
    Mas depois desta demonstração de cólera e ódio, Vasco da Gama recuperando do primeiro susto e admirado por esta estranha figura, pergunta-lhe quem é. Diante dessa interrogação quanto ao “corpo” e não quanto à voz, ou seja, quanto ao que se e não ao que se ouve, o gigante conta a Vasco da Gama a história do seu amor infeliz, um amor por uma ninfa. Ao saber do infortúnio do gigante, o herói português vê-se diante de um Adamastor fraco, que não tinha mais segredos. O gigante perturbado por ter “revivido” verbal e mentalmente a sua história, nem se apercebe que, quando acaba o seu discurso autobiográfico, já os portugueses vão longe. O gigante não morreu, mas depois de contar seus desenganos “co`um medonho choro”, “desfez-se”, e assim só se ouve o mar “bramindo”, da mesma forma como quando esse desafio aos navegantes começou, não conseguindo, portanto, demover os portugueses do seu objetivo: a descoberta do caminho marítimo para a Índia, sendo em “Os Lusíadas” o maior obstáculo transposto pela coragem e determinação dos bravos marinheiros lusitanos.

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